Foi pensando nisso que recorri a minha mãe, que me lembrou de um lugar há tanto tempo esquecido por mim. Um lugar que visitei quando era adolescente, numa época em que eu procurava boas causas a seguir, boas atitudes a fazer e por isso era vegetariana e simpatizante do anarquismo. Do último ainda sou.
Mas me lembrei de um lugar que conheci onde uma senhora de não sei exatamente quantos anos, mais senhora do que minha mãe, fazia de sua casa uma creche em que crianças do arredor ficavam o dia ou a metade do dia ali para terem atividades, terem a companhia de pessoas que as queriam bem, pois em suas casas essas crianças eram mal tratadas (destratadas), abandonadas ou não tinham simplesmente o que comer ou com quem ficar. Nesse lugar, essas crianças eram crianças, tinham comida (nem que fosse pouca) tinham alguma brincadeira e algum aprendizado que em casa com certeza nunca teriam.
Uma senhora, que podia ser minha avó, tomava conta de cerca de 100 crianças que eram desprezadas por suas famílias, pela sociedade ou pelo poder público, e pior ainda, eram desprezadas por mim. Sim, pois desde a época em que eu conheci esse lugar e essa senhora, e também tomei conhecimento dessas crianças, há uns oito anos, voltei-me a minha vida, somente a isso.
Hoje quando relembrei desse lugar, dessa senhora e dessas crianças, busquei informações na internet (o oráculo virtual) e vi que há dois anos eles estavam precisando de muita ajuda, que um grupo de pessoas os ajudou, que outros e outros grupos fizeram algumas campanhas, de arrecadação de comida, de presentes em época de festividades. Vi também algumas fotos do lugar, como mudou desde então.
Depois disso, fui colocar minha filha para dormir, e pensei que hoje comprei o tênis escolar dela, que deveria ser rosa porque ela adora rosa, ou um tom parecido; pensei que essas crianças não devem nem ter tênis para ir à escola, talvez uma sandália de dedo; pensei na história que eu contei pra minha filha dormir, “João e Maria” que ela escolheu (coincidência?) e pensei nas histórias que essas crianças nunca ouviram de seus pais, ou nas que nunca conheceriam; fui fazer o leite com chocolate pra minha filha dormir e pensei na quantidade de leite que essas crianças tinham pra beber por dia; olhei a minha geladeira e a minha dispensa e pensei na comida que havia nas casas ou na creche para essas crianças se alimentarem todos os dias; por fim, dei “boa noite” para minha filha e lembrei por instantes de tudo que ela é pra mim, de todo amor que sinto por ela, e pensei no amor que essas crianças devem ter todos os dias de seus pais, em suas casas.
Enquanto leio meu mural no “face”, enquanto “compartilho” minhas fotos e leio campanhas de adoção de animais “carentes”, enquanto minha filha dorme e eu rezo, enquanto minhas palavras são escritas e lidas, enquanto tudo isso e outras coisas acontecem, alguma criança daquele lugar está sem sapatos, sem comida, sem leite, sem história, sem boa noite.
Por isso minha vida não está bem agora. Algo está errado. E também por isso, novamente vou "compartilhar", na esperança que algo além disso em mim mude.
OBS.: O lugar é a Creche da Tia Maria fica na Rua das Amendoeiras, quadra 24, casa 24, bairro Caminho de Búzios, Cabo Frio, RJ. Tel: 2629-2347